terça-feira, 15 de junho de 2010

Palavras de amor

Renata conhecia Pedro há algum tempo, mas isso não era motivo nem servia de justificativa para suas ações. Pedro a conheceu no final do mês de julho, em algum evento do destino, e a partir daí não conseguiu desviar seus pensamentos de Renata, que misteriosamente se encaixava em quaisquer que fossem os assuntos, músicas, placas ou livros. Essa obsessão platônica resultou em inúmeras cartas sem destinatário.
Pedro era um rapaz humilde, de classe média, romântico e apaixonado pelas coisas da vida. Embora não acreditasse muito no amor entre duas pessoas, mantinha uma incansável busca por seu "par perfeito": aquele ser que lhe daria razões para acordar todos os dias e o entenderia, aquele que roubaria sua concentração no meio da construção de mais um picuá*. Já Renata era moça donzela, com movimentos delicados e olhares penetrantes, responsável diante de sua agenda sem horários vagos.
Pedro se apaixonou à primeira vista quando se encontrava cabisbaixo em algum lugar movimentado e reparou nos trejeitos da menina em corpo de mulher que tentava disfarçar a felicidade que sentia ao subir no palco de um bar qualquer com um video-okê. Desde então sua busca havia chegado ao fim. Era ela, Renata, a razão por ele estar aqui. Era dela que ele precisava. Porém, uma nova investivação se iniciou: quem seria aquela moça que em segundos havia captado toda atenção de Pedro? Livros, internet, lista telefônica, fotos e até possíveis amigos em comum foram utilizados na procura. Paralelamente, cartas eram escritas, declarações e encontros planejados, Pedro não tinha como resistir, estava entregue a uma pessoa que sequer o conhecia.
Inexplicavelmente, depois de alguns dias da procura ter começado, Renata e Pedro passaram a se cruzar em lugares inesperados. Ela recebia flores e presentes de alguém que não os entregava. Ele sentia seu perfume em todos os ambientes. Depois de meses colhendo dados e sofrendo por algo que nem existia, Pedro resolveu ir ao mesmo bar em que havia visto Renata pela primeira vez e decidiu fazer um epicédio**. Disse o quão delicada ela era, que era calipígia*** e como ele estava perdidamente apaixonado. Embora houvesse a probabilidade de ela não estar presente no momento da fala, Pedro apostava que o destino os unisse mais uma vez.
E foi assim que aconteceu: ele havia terminado seu discurso e continuava no palco, imóvel, sem nenhuma reação que indicasse se Renata estava ou não no local. Quando, de repente, a moça tímida se aproxima do palco com lágrimas nos olhos. Não eram de felicidade ou emoção, e sim de perplexidade. Renata não podia crer no que ouvira. Foi quando Pedro tirou do bolso do casaco um anel nédio**** sem nenhuma palavra falar. Ela, já aos prantos sem saber o que dizer, começa a dar tapas em Pedro; embora esburnisse*****, esse foi apenas o primeiro sinal de como seria a relação dos dois.

Vocabulário:
*picuá: móveis trastes (lixo)
**epicédio: discurso ou poema em memória de alguém
***calipígio: tem formosas nádegas
****nédio: brilhante resplandecente
*****esburnir: dar de má vontade

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